quarta-feira, setembro 02, 2009

Cantigas do Adolescer (ou Quase Isso).

Cena de Valsa com Bashir

# Valsa com Bashir

Entre as décadas de 70 e 90, o Líbano conheceu os terrores de uma guerra civil intermediada e financiada por países vizinhos. O massacre de Sabra e Shatila refere-se ao assassinado em massa de palestinos e libaneses xiitas pela milícia católica deste país. Valsa com Bashir (Vals Im Bashir, Israel, 2008 ), um dos filmes mais comentados - e premiados - do ano anterior, trata de tais eventos a partir das memórias de um ex-soldado israelense.

Ari Folmam tinha apenas 19 anos quando juntou-se às fileiras do exército israelense. Apesar da pouca idade, o jovem acabou lutando em território libanês quando este foi invadido por Israel, em 1982. Mesmo tendo vivienciado a guerra, ele esqueceu grande parte de seus eventos. Tentado preencher as lacunas de sua memória, ele irá atrás de seus companheiros de farda e recolher seus depoimentos.

Embora algumas passagens sejam ficcionais, muitos das "personagens" de Bashir são pessoas de verdade dividindo suas experiências. O próprio Folman é um exemplo. E além de animar sua personagem, ele ainda dirigiu, escreveu e produziu o filme, fazendo deste uma obra extremamente autoral. Mesclando a linguagem documental à uma narrativa não linear expressa em cores vibrantes e animação, o artista encontrou uma bela forma de exorcizar os demônios da consciência do homem.

Em Bashir, realidade, sonho, esquecimento e denúncia misturam-se o tempo todo. O que o autor divide com o público, afinal, acaba sendo a contradição da busca pelos fatos. Ainda que ele possa evocar imagens, necessariamente algo se perdeu. Provavelmente, na matença horrenda de inocentes, ou em fatos anteriores ligado à vicissitudes da combate. Talvez o soldado tenha recalcado lembranças em nome de sua sobrevivência, o que tem acontecido analogamente com Israel e seu histórico infindo de conflitos armados. Talvez para ambos, entretanto, talvez este seja o momento de começar a lembrar.

Trailer (UK):




# Orquestra dos Meninos

No agreste pernambucano, o músico Mozart Vieira tem um sonho: construir uma orquestra com crianças que trabalhavam no campo. Sua determinação e resiliência diante das tentações da tirania política local, fará com que ele e seus alunos sofram uma série de reveses.

Baseado em uma história real, o filme inicia-se com o maestro apresentando os instrumentos aos pequenos músicos. Acostumados à uma vida dura de trabalho, pouco a pouco eles vão se aprimorando através do exercício e ganhando notoriedade dentro e fora do município. Na busca de patrocínio, Mozart acaba por estabelecer contatos dentro do mundo político. Por negar-se a deixar sua sonhada fundação ficar sobre o domínio do poder público, ou seja utilizada como propaganda, ele acaba por atiçar a ira dos poderosos.

Quando o garoto Erinaldo, de 13 anos e com graves problemas de visão, é seqüestrado e agredido com o vil objetivo de encriminar Mozart por abuso e pedofilia, é que o protagonista percebe a gravidade da situação. Acuado por uma polícia corrupta, ele vai em busca do apoio de representantes do alto escalão católico, e da mídia. Apenas quando esta é acionada através de um repórter que a maré vira em favor dos meninos e seu professor.

Além de um história bonita, Orquestra dos meninos (Brasil, 2008), é também um bom exemplo das barbaridades perpretadas por poderosos nos recônditos escondidos onde o coronelismo velho e burro insiste em repetir-se.

Felizmente também, escapa da grande mania do cinema nacional de escalar dezenas de atores de novela da Globo. Claro que os papéis principais estão nas mãos de alguns deles - Murilo Rosa, Priscila Fantim e Othon Bastos - mas apenas o caso de Fantim pode-se alegar que houve um equívoco óbivo na escalação. Além disso, a grande força do filme vem dos atores mirins, jovens talentos selecionados entre os moradores da região onde tomaram espaço as filmagens.

Trailer:



# De Repente 30


Desde que deixou a TV e seus tempos de agente secreta no seriado Alias, Jennifer Garner tem investido em sua carreira nos cinemas. A despeito de escolhas bastante duvidosas (como Elektra ou O Reino), a atriz obteve certo êxito no campo da comédia, a exemplo de seu desempenho em Juno. De Repente 30 (13 Going On 30, Estados Unidos, 2004) faz parte da boa safra de seu trabalho.

Após ser humilhada na frente dos convidados de seu 13º aniversário, Jenna Rink deseja "se esconder" até ter 30 anos. Como num passe de mágica, a garota acorda no dia seguinte na cama e na pele de uma mulher de tal idade. Agora ela é bonita, rica, cheia de roupas e acessórios bonitos. Mas nem tudo são flores em sua vida adulta, pois Jenna perdeu muitos de seus amigos e tornou-se uma perfeita bitch no caminho para o sucesso. E embora ela se mantenha não ciente disto em sua mente infantil, todos ao redor o estão.

Independente disto, ela permanece impassivelmente empática, e carismática e doce com os outros. E essa é a graça da personagem: o alívio que sua inonência promove no mundo tenso e ácido da adultez. Obviamente aqui há uma oposição dualista entre infância/pureza, adultez/maldade, o que se releva tendo em vista o público para o qual se destina.

Para não configurar exceção à regra das comédias protagonizadas por mulheres, o amor irá surgir na vida de Jenna. E é através de sua maior perda, seu amor de outrora, que ela encontrará o caminho da redenção, culminando com uma reavaliação de seu pedido inicial.

Resumidamente, enfim, De Repente 30, poderia ser descrito como o encontro entre Quero Ser Grande e Meninas Malvadas. Muito menos inspirado do que estes, entretanto.

Jennifer Garner e elenco dançam "Thriller":



# Em Qualquer Outro Lugar

A condição do adolescente é especialmente curiosa por caracterizar o quase. Quase independentes, quase maduros, quase responsáveis por si, os indivíduos nesta fase devem balizar a realização de seus propósitos com o respeito aos limites que lhe impõe o mundo adulto. Para aqueles cuja maior vontade é escapar da órbita de seus pais, o desafio parece ainda maior, pois na maior parte das vezes é preciso contar com o apoio daqueles que se livrar. Como lidar com complicada situação será o desafio de Ann (Natalie Portaman) e Adele (Susan Sarandon) irão enfrentar.

Em Qualquer Outro Lugar (Anywhere But Here, Estados Unidos, 1999), parece um filme concebido para exibição na sessão da tarde. Adele e sua filha Ann poderiam ser descritas como pares de opostos: a primeira é efusiva e sonhadora, a segunda reservada e pé no chão. Certo dia, Adele decide que é hora delas abandorem a pequena cidade que vivem por uma vida em Los Angeles, e a contragosto Ann deve seguí-la.

Na capital do cinema americano, a mãe sai em busca de um marido rico e da ilusão de ver sua filha triunfar em Hollywood, enquanto esta dedica-se aos estudos. Brigas e reconciliações sucedem-se até o final previsível. Para quem está interessado numa versão light do conflito mãe-filha talvez deva procurar por Minha Mãe É uma Sereia, um verdadeiro clássico de Sessão da Tarde que realmente merece a distinção de bom filme.

Trailer:



# Uma Noite de Amor e Música

Para os fãs de Arrested Development assistir Michael Cera ascender como ator indie em comédias de baixo orçamento, parece até uma reparação do destino. Com cara e jeitão de nerd, Cera fez sucesso em Juno e Superbad representando o mesmo papel que encarnava na televisão: o romântico atrapalhado. Em Uma Noite de Amor e Música (Nick and Norah's Infinitive Playlist, Estados Unidos, 2008), ele repete a fórmula de forma encantadora.

Nick é um cara azarado: seu carro é velho, sua banda não tem um baterista e sua namorada o deixou por um universitário. Norah, igualmente, não possue uma melhor sorte - filha de um figurão da indústria fonográfica, ela tem apenas uma amiga e um namorado estúpido. Felizmente, para ambos, os dois compartilham o mesmo gosto musical. E por conta disso irão enamorar-se ao longo de uma jornada noite adentro.

Como dito anteriormente, Cera está ótimo no papel. É dele o grande mérito de tornar sua personagem uma figura tão carismática e verdadeira. Kat Dennings - Norah - também está muito bem. Sarcástica e generosa, sua personagem é o contraponto perfeito para o tímido Nick. Juntam-se ao casal, coadjuvantes pitorescos, com destaque para a divertida Ari Gaynor que interpreta Caroline.

Recomendado para quem sonhava em misturar Antes do Amanhecer com Juno, tirando a profundidade do primeiro e o hype do segundo.

Trailer:


TOP 5 - Filmes com Adolescentes

1º Valsa com Bashir
2º Orquestra dos Meninos
3º Uma Noite de Amor e Música
4º De Repente 30
5º Em Qualquer Outro Lugar

Mas devo dizer que nenhum destes filmes é realmente muito bom, ou imperdível.

domingo, agosto 09, 2009

Da cidade dos cassinos à capital do romantismo


Leo DiCaprio e Claire Daines na premiere de Romeu + Julieta.


# Despedida em Las Vegas

Antes de estrelar filmes de ação de gosto duvidoso, Nicolas Cage era famoso por seu desempenho em dramas açucarados e comédias românticas. Despedida em Las Vegas (Leaving Las Vegas, Estados Unidos, 1995), entretanto deu-lhe o status de ator sério que ele fez questão de jogar fora em seus papéis seguintes.

Cage encarna Ben Sanderson, um roterista que após o divórcio viaja à capital dos cassinos com uma idéia fixa: "drink myself up to death". Entregue ao álcool, Ben vacila, delira e treme numa escalada de anulação que expõe a sua tristeza e desistência da vida. O único alívio ao qual se permite é a companhia de Sera. Uma prostituta carente e calejada que o acolhe sem julgamentos, mas com doses de romantismo.

Cage brilha nos melhores momentos de seu personagem. Infelizmente, para ele e para o público, estes estão concentrados na primeira metade do filme, quando Ben, antes de tornar-se um zumbi alcoolizado, destila sobre os outros toda sua raiva e angústia. A partir daí, só o que se vê, é um homem fragilizado afogando-se na bebida para vingar-se da sorte.

Elisabeth Shue (que interpreta Sera), cresce à medida que Cage se apaga. É difícil não se sensibilizar com uma figura que parece ser concebida para desconstruir o esteriótipo glamouroso de Julia Roberts em Uma Linda Mulher. Sozinha, cansada, violentada, agredida, Sera não mede esforços para conectar-se com Ben porque sabe que este é o mais próximo que ela terá de um príncipe encantado. E nem mesmo o fato dele renegar tal papel é o suficiente para que ela pare de tentar.

Sera e Ben estão, cada um a sua maneira, condenados à solidão. Ele escolheu a morte lenta e sofrível, ela a autodegradação. Assistí-los é compartilhar de sua miséria e derrota.

O grande destaque do filme, porém, é sem dúvida sua trilha sonora: uma compilação de jazz compostos pelo diretor Mike Figgs e famosas baladas cantadas, em sua maioria, por Sting. A cena de Elisabeth Shue seduzindo Nicolas Cage tendo "Come Rain Or Come Shine" ao fundo é memorável.

A cena:



# RocknRolla

Depois do fracasso de Destino Insólito (Swept Away, estrelando Madonna), Guy Richie decidiu voltar às origens. Neste filme, atores quase anônimos se juntam a outros mais famosos numa trama recheada de roubos sucessivos, violência estilizada, vilões sádicos com inesperados mascostes assassinos e mafiosos estranjeiros. Soa familiar não?

Pois é, RocknRolla (RocknRolla, Reino Unido, 2008) tem todos os elementos que consagram os projetos anteriores do diretor: Snatch - Porcos e Diamentes e Jogos, Trapaças e Dois Canos Fumegantes. Dessa vez, contudo, relações amorosas "incomuns" são adicionadas à mistura. Drogas e algumas cenas de ação completam o quadro.

Como (quase) sempre, Richie conseguiu amarrar tais elementos com um fino humor negro e esse é seu grande mérito. O argumento aqui é que apesar das personagens serem corruptas e carregarem, cada uma, sua parcela de culpa, existe certo código ético que elas compartilham. Uma vez que este se quebre, ocorre punição.

Apesar de sua regularidade, RocknRolla peca pela sobreposição de focos narrativos que se esvaziam de forma insatisfatória e simplista. Vale para celebrar o renascimento artístico de Richie e o fim de seu casamento com Madonna. Certamente não lhe cabia dirigir romances em cenários paradisíacos, nem a ela posar de lady britânica. O elenco, sensacional, também merece nota.

Trailer:



# Cassino Royale

Ao longo dos anos, o agente James Bond foi encarnado pelos mais belos atores ingleses (Sean Connery, Roger Moore e Pierce Brosnan são exemplos). Cada um deles, de certo modo, imprimiu uma marca sobre o personagem: mais romântico, mais violento ou mais bon-vivant. Não importanto, suas características periféricas, Bond ainda sobrevive como protótipo de hombridade (ou seria de misoginia?).

Oficialmente existem 22 filmes da franquia e 7 atores deram vida ao detetive. Tais filmes referem-se àqueles produzidos pela EON Productions. Contudo, devido a confusões quanto os direitos autorais sobre a obra de Ian Fleming (escritor que criou o agente secreto) e o nome "James Bond", foram realizados outros dois filmes sobre 007. Cassino Royale (Casino Royale, Reino Unido/Estados Unidos, 1967) foi o primeiro deles.

Baseada na primeira obra de Fleming protagonizada por Bond, a película é um grande festa do humor psicodélico e debochado do cinema americano dos anos 60. Dirigida por seis diretores diferentes, a história segue James Bond (interpretado por David Niven, primeira escolha de Fleming para o papel) na tentiva de descobrir o reponsável pela morte diversos agentes secretos ao redor do mundo. Ao saber que também está na mira do inimigo, o detetive designa seis companheiros com a alcunha de 007: Evelyn Tremble (Peter Sellers), Vesper Lynd (Ursula Andress), Miss Moneypenny (Barbara Bouchet), Mata Bond (Joanna Pettet), "Coop" (Terence Cooper) e "A Detonadora" (Daliah Lavi). A partir daí, todos serão responsáveis por descobrir quem está por trás da operação e como escapar da arma secreta do inimigo: lindas mulheres que seduzem os agentes bonitões.

Juntam-se ao elenco: Orson Welles, Woody Allen, Deborah Kerr, Jacqueline Bisset, e John Huston, William Holden (alguns em pequenas participações).

Apesar do ritmo confuso (causado principalmente pelo fato de Peter Sellers ter abandonado as filmagens) e do visual exagerado, Cassino Royale é uma obra que merece ser vista. Pois, é muito raro ter a oportunidade de desfrutar uma obra concebida, de fato, por um grupo tão interessante de artistas.

Trailer:




# Última Parada 174


No dia 12 de junho de 2000, o jovem Sandro do Nascimento manteve cerca de 10 pessoas como refém dentro de um ônibus. O episódio ocorreu na cidade do Rio de Janeiro, mas foi assistido por todo o país através da televisão. A cobertura irresponsável do evento, decerto contribuiu para seu final trágico com a morte do seqüestrador e um de seus reféns. De filiação e origem confusas, o passado do “personagem” foi investigado a fundo no documentário Ônibus 174, no qual o roteiro deste filme se baseia.

Sandro nasceu na favela onde sua mãe foi assassinada a facadas, cresceu nas ruas onde conheceu as drogas, escapou da chacina da Candelária e entrou para o crime. Passou também pela FEBEM e morreu asfixiado dentro de um camburão da polícia. Última Parada 174 (Brasil, 2008) se propõe a contar tais fatos, numa perspectiva que vem se tornando comum no cinema brasileiro: se um jovem ingressa no crime a culpa é dos eventos traumáticos que sofreu durante a infância. Neste caso, vale apelar para a construção de uma personagem que delira e possui traços de personalidade obsessiva.

Tecnicamente, o filme é muito bom, fugindo, inclusive, da velha mania do cinema nacional de copiar a fotografia de televisão. Os atores são ótimos, especialmente os mais jovens Michel Gomes e Marcello Melo Junior que infelizmente correm o risco de afundar no ostracismo como quase todo o elenco de Cidade de Deus.

Evidentemente, a história do indivíduo tem um peso muito forte em seu envolvimento com o crime. Mas esta, seguramente, não é a única razão pela qual a deliqüência existe. O filme de Bruno Barreto, porém, não apenas ignora isto como trabalha em favor da outra idéia. O que o torna levemente repetitivo e óbvio.

Trailer:



# Romeu + Julieta

A tragédia dos amantes de Verona deve ser uma das mais conhecidas da literatura ocidental: dois jovens de famílias inimigas apaixonam-se e acabam suicidando-se em nome de seu amor rechaçado por seus pais.

Julieta Capuleto e Romeu Montecchio são parte do imaginário de muitos, mas poucos são aqueles que leram a obra de William Shakespeare. Adaptada nas mais diversas formas para o cinema, teatro e mesmo literatura, as palavas do escritor não foram tão assimiladas quanto suas personagens.

Grande artista que é, o diretor Baz Luhrmann assumiu o desafio de atualizar a obra para os anos 90 sem fazê-lo pelo caminho mais óbvio: o da linguagem. E o fez muito bem. Sob sua coordenação Verona tornou-se uma metrópole urbana onde os Capuleto e os Montecchio se enfrentam usando armas de fogo e escapam em carrões. Referências a sexo e drogas também estão presentes.

O visual exagerado beirando ao kitsch. As roupas das personagens, bem como os cabelos de algumas, são coloridas e também são os cenários, os carros e as maquiagens. Até mesmo o papel do frei ganhou tatuagens, e somente a ama parece mais discreta do que poderia ser (o que faz pensar que Franco Zeffirelli acertou em algo na sua versão de 1968). Para completar, Luhrmann escalou nos papeis principais a it girl e o it boy do momento: Claire Daines e Leonardo DiCaprio. John Leguizamo e Harold Perrineau - infelizmente futuras estrelas de televisão- animaram Tebaldo e Mercucio respectivamente. Radiohead e Garbage (dentre outros artistas) tomam parte na trilha sonora.

Misturando cultura pop e Shakespeare, Lurhmann estabeleceu seu nome entre os grandes de seu tempo e inovou no insosso campo dos filmes para adolescentes. Se você não viu Romeu + Julieta (Romeo + Juliet, Estados Unidos, 1996) antes de seus 18 anos, corra porque talvez ainda haja tempo de se apaixonar pelos clássicos.

#1 Crush (Garbage):


Top 5 filmes metropolitanos:

1º Romeu + Julieta
2º RocknRolla
3º Cassino Royale
4º Despedida em Las Vegas
5º Última Parada Ônibus 174

domingo, maio 17, 2009

Meio de Maio

Lizza Minnelli e Bob Fosse no set de Cabaret (1972).

#Crepúsculo dos Deuses (Sunset Blvd.)



Norma Desmond (Gloria Swanson) tem uma teoria sobre si: “eu sou grande, os filmes que ficaram menores”. Veterana do cinema mudo, a atriz sonha com a volta de seus dias de glória. Por sua vez, John Gillis (William Holden) acha que “a audiência foi embora há vinte anos”. Roterista falido, o bon vivant será tragado pela atmosfera delirante de Desmond seduzido pela promessa de dinheiro fácil.


Grande clássico do cinema americano, Crepúsculo dos Deuses é uma crítica veemente ao culto às estrelas e como este está intrinsecamente ligado à valorização da beleza e da juventude. Desmond é uma figura excêntrica, mas, sobretudo alguém acostumada aos caprichos e vícios da fama. O que ela não percebe é que não foi o advento do som o responsável pelo seu ostracismo e sim seu próprio envelhecimento. Ou de toda uma geração que deu lugar a uma nova. Sua vontade de reviver o passado e conquistar o futuro selará o seu trágico destino e de todos ao seu redor.


Billy Wilder consagrou-se pelas suas divertidas comédias, mas sua obra magna sempre será esse poderoso drama. Pois muito mais do que isso, Crepúsculo é um triste e franco adeus àqueles que não tiveram a chance de se despedir das telas. Erich Von Stroheim e William Holden estão ótimos em seus papéis, todavia é da soberba Glória Swason o grande show. A sua atuação tornou-se antológica e sua line “we had faces” definidora das atrizes de sua geração.


Curiosamente, no mesmo ano foi lançado outro filme sobre uma grande atriz lidando com seu envelhecimento e a perda do sucesso para concorrentes mais jovens – A Malvada, estralando Bette Davis. Na cerimônia do Oscar de 1950, Swason (51 anos) e Davis (42) eram consideradas favoritas ao prêmio de melhor atriz. Ambas foram derrotadas (num dos maiores upsets da história do prêmio) por Judy Holliday (29).



Anos mais tarde, Gleen Close encarnou Norma Desmond na Broadway. Ano passado ao vencer o Emmy de melhor atriz, esta comemorou ter sido indicada junto a outras cinco companheiras também na meia idade. No Oscar, contudo, o elemento baby face foi novamente determinante na escolha das indicadas e da atual vencedora da categoria. Cinqüenta anos depois estaria Hollywood ainda segregando suas atrizes maduras? Claro que sim. O que talvez explique o porquê de tantas estarem migrando para a TV (juntam-se a Close nomes como Sally Field, Jessica Lange, Sigourney Weaver e Holly Hunter) e apenas Meryl Streep abocanhe todos os papéis interessantes para mulheres dessa idade.


Cena Final (Delírio de Norma Desmond):





# Se Eu Fosse Você



Tony Ramos e Glória Pires são dois dos mais conhecidos atores da TV brasileira. Neste filme, eles interpretam um casal que após uma briga acorda com os corpos trocados. Assim, Cláudio passa a habitar o corpo de Helena enquanto ela fica presa ao dele. Os cônjuges, então, terão que substituir um ao outro em suas atividades rotineiras o que irá ocasionar muito estranhamento, graça e mudanças.



Além do argumento nem um pouco orginal, Se Eu Fosse Você apela para todos os clichês possíveis da categorização de homem, mulher e de casamento. Seu elenco é recheado de atores "globais", muitos em participações que não agregam nenhum valor à produção. Esse é um traço comum da Globo Filmes que parece entender suas produções como extensão do núcleo de teledramaturgia da emissora. Surpreende, porém, pensar que o saldo do filme é positivo.



O diretor Daniel Filho declarou certa vez que sua maior inspiração são as comédias hollywoodianas da década de 30 (a exemplo de Levada da Breca). E seu maior trunfo foi escalar dois atores cujo talento e química não faz feio diante de Katharine Hepburn e Spencer Tracy. O desempenho de Glória Pires e especialmente de Tony Ramos ilustra exatamente o porque de seus reconhecimentos e fazem da película uma boa opção para quem dar algumas risadas.


Trailer:


# Trainspotting



Lançado em 1996, Trainspotting colocou Ewan McGregor e Danny Boyle no mapa. A película, que ganhou status cult ao longo dos anos, retrato o cotidiano de um grupo de jovens escoceses viciados em heroína. Para Renton (McGregor) e seus amigos, a droga, apesar de seus efeitos destrutivos, é a única opção diante do torpor e uma existência sem propósito.



Visualmente, o filme é bastante criativo mesclando cenas que vão do grotesco ao surrealista a uma edição rápida que valoriza a narração em primeira pessoa. Seu discurso, porém, é esvaziado pela progressão dos acontecimentos. Primeiro há um momento de cinismo sobreposto pouco a pouco por uma idéia de redenção atrelada a conscientização advinda do envelhecimento. Tal dado, entretanto, parece não afetar o apelo da obra sobre os adolescentes. O que diz muito sobre ambos.


O elenco conta ainda com Kelly Mcdonald (Onde Os Fracos Não Tem Vez) e Kevin McKidd (do seriado Grey’s Anatomy). Vale apena ser conferido pelos jovens talentos e para lembrar de quando Boyle dirigia histórias obscuras não suavizadas por romances como Quem Quer Ser um Milionário?.


The Toilette Scene:




# Cabaret



Na frágil república de Weimar, o destino de cinco personagens se cruzam através do Kit Kat Club onde o Mestre de Cerimônias apresenta seus shows. Sally Bows é uma cantora americana cujo sonho é ser uma grande atriz. Na busca desse objetivo, e também por ter uma queda pelo dinheiro, ela não exita em dormir com aqueles que possam lhe fornecer algum benefício. Brian Roberts é um escritor inglês que viaja a Alemanha para cursar doutorado. Por coincidência, acaba na pensão de Sally com quem se envolve sexual e afetivamente. Quando ela conhece o rico Maximilian von Heune este torna-se outro elemento da relação. Paralelo a esse estranho romance, corre o mais convencional desenlace entre Fritz Wendel e Natalia Landauer. Ele cristão e pobre, ela judia e rica.


A sua maneira, cada uma dessas personagens é um elemento indesejado pelo já em ascenção Nazismo. Na primeira cena é possível ver um oficial do partido na platéia do clube e ao longo da narrativa o fortalecimento de seus ideais e de seu contigente apenas cresce. Porém, todos contemplam tais acontecimentos com a certeza de que são passageiros. No palco do Kit Kat Club, o Mestre de Cerimônias expõe de forma transgressora os valores da sociedade de Weimar debochando, inclusive, de seu pseudo puritanismo sexual e anti-semitismo. Fora dele, os dilemas das outras personagens explicitam sua condição de outsiders. Mas apenas Brian parece perceber os nazistas como ameaça eminente para um tempo que será estrangulado.


Baseado em uma obra da Broadway, Cabaret é muito mais um filme com canções do que um musical. A exceção de "Tomorrow Belongs To Me" todos os números ocorrem dentro do clube e apenas uma das personagens centrais - Sally - também se apresenta neste palco. Contudo, nem todo o libreto da peça foi utilizado. Várias de suas canções tornaram-se melodias executadas como música de fundo. E outras foram adicionadas ("Tomorrow Belongs To Me", "Mein Herr", "Money, Money", "Maybe This Time"). Futuramente estas foram acrescentadas em montagens da Broadway, incluindo o famoso revival de 1998 dirigido por Sam Mendes e coreografado por Rob Marshall. Desta forma, as canções não contam a história, apenas ilustram seus desdobramentos.


Aliar essa proposta a uma edição arrojada para a época foi a grande sacada de Bob Fosse. O diretor conseguiu, ainda, conquistar o público com personagens de condutas desviantes. Fora isso, é difícil resistir aos grandes olhos de Liza Minnelli (Sally Bowles) e a sua maravilhosa voz. E Joel Grey defende com primor o papel de Mestre de Cerimônias. Cabaret, enfim, fez de Fosse - famoso coreógrafo e diretor de teatro - uma lenda também no cinema e fácil saber porque.


Maybe This Time:



# Moulin Rouge


No bordel de Harold Zidler, boêmios, prostitutas, artistas e figurões celebram a verdade, a beleza, a beleza, e, sobretudo o amor, regados a absinto. Tais ideais, porém, estão subjugados ao poder do dinheiro e será o embate dessas duas forças a força propulsora desse grande romance.


A cortesã Satine sonha em tornar-se a próxima Sarah Bernhardt e conquistar os palcos da Europa. Sua chance chega quando seu rufião a oferece como presente ao Duque. Em troca, este daria seu patrocínio a uma peça que deveria ser montada no cabaré. Entretanto, quem sobe ao quarto dela não é o rico aristocrata e sim o pobre escritor Christian. Os dois se apaixonam e à medida que a peça vai sendo criada, cresce seu amor, o ciúme do Duque e pressões de Zidler.


Um jovem escritor inglês, uma cantora de cabaret que sonha em ser uma estrela, um rico membro da aristocracia e um mestre de cerimônias alemão já são elementos mais que suficientes para perceber que Moulin Rouge possui bastante em comum com Cabaret. Porém seria incorrer num erro enorme esquecer suas diferenças. Enquanto o segundo é uma obra transgressora, o outro é um mergulho deslavado no romantismo. De tal modo, que não existe espaço na cama de Satine (ou de Christian) para outros parceiros. E o ambiente acompanha o estado de espírito dos amantes, sempre prontos para lutar pelo seu relacionamento.


Tecnicamente a produção é impecável: direção de arte, figurinos, maquiagem e fotografias exuberantes e muito bonitas. A edição é excepcional bem como o trabalho de Lurham por trás das câmeras. Nicole Kidman, Ewan McGregor, Jim Broadbent, John Leguizamo e Richard Roxburgh formam um time afinado e cativante.


As canções são um deleite a parte. Muitas são medleys de sucessos como “Satisfaction”, “Your Song”, “Heroes” e “Material Girl”. Algumas são releituras a exemplo de “Nature Boy” e “Like a Virgin”. E por fim, outras foram especialmente escritas para o filme como “Onde Day I’ll Fly Away” interpretada por Nicole Kidman. Curiosamente, a mais famosa, “Come What May” fora originalmente escrita para Romeu + Julieta e por isso não pode ser indicada ao Oscar. O mesmo aconteceu com “Maybe This Time” de Cabaret que fora escrita anos antes do filme ser produzido.


Dirigido por Baz Lurhman, o filme foi responsável por reviver o gênero musical. Cujos maiores expoentes nos anos 80 e 90 foram obras pálidas ou controversas, apesar de comercialmente rentáveis, como Dirty Dancing e Evita. Por seu primor técnico, e envolvente atmosfera Moulin Rouge conquistou milhares de fãs ao redor do mundo além de ter dado a Nicole Kidman o rótulo de boa atriz. E será difícil que não se torne um clássico do cinema devido ao impacto de seu lançamento. Tal posto é muito mais que merecido para uma obra muito bem concebida, divertida e emocionante.


Come What May:



E seu eu tivesse que ranqueá-los:


1º Moulin Rouge
2º Cabaret
3º Crespúsculo dos Deuses
4º Trainspotting
5º Se Eu Fosse Você

domingo, abril 26, 2009

Fechando o mês


Terry O'Neill tirou essa foto para comemorar o Oscar da futura esposa (Faye Dunaway de Rede de Intrigas). A obra foi entitulada "The Morning After".


# Mulan

Produzido pela Disney, o filme parece ter o objetivo de romper paradigmas do estúdio. Assim, foi o primeiro deste a se passar numa guerra, protagonizado por uma figura asiática, e até mesmo exibir sangue em uma personagem ferida. A história toma espaço na China Imperial prestes a ser invadida pelos Hunos. Após saber que seu pai fora convocado a juntar-se ao exército, a jovem Mulan resolve cortar as madeixas e substituí-lo. Se junta a ela o fiel escudeiro Mushu, um dragãozinho que fala pelos cotovelos e cumpre o papel de coadjuvante divertido. Embora a trajetória da jovem chinesa seja bem diferente das outras heroínas da Disney, o que poderia ser um pequeno libelo feminista esbarra nas obviedades do final feliz. Durante a guerra, Mulan aprende, e ensina ao seu país que pode ser tão capaz, ou melhor, que qualquer soldado homem. Mas como não poderia deixar de ser para um filme da turma do Mickey, ela acaba por se casar com um general que faz as vezes de príncipe. Desta forma, o estúdio comprovou que não estava pronto para inovações o que, provavelmente, lhe fez perder a primazia do gênero para a Pixar anos mais tarde.


Cristina Aguilera canta "Reflection" canção tema do filme:


# Cidade de Deus


Antes de se dedicar a uma carreira pseudo-internacionalista, Fernando Meirelles conseguia como ninguém captar as mazelas da vida urbana brasileira. Fez isso com muito humor em Domésticas e surpreendeu a todos com Cidade de Deus. Tendo uma favela carioca como cenário, a obra conta histórias de seus moradores para contar a dela. Mortes banais, crueldades, violência sexual dividem espaço com romances, piadas e esperança numa narrativa bem elaborada e amarrada. É difícil escolher o maior trunfo do filme: seu elenco afiadíssimo composto essencialmente de moradores da favela, sua fotografia marcada por cores fortes, sua edição rápida e criativa ou a própria relevância de seu tema. É fácil, porém, entender por que é tão superior a filmes que seguiram em sua esteira mas não têm a sua força como Quem Quer Ser um Milionário? ou Era uma Vez. Cidade não se presta a humanizar suas personagens, não lhes oferece chance de redenção, não lhes garante um final feliz, tampouco descamba no sentimentalismo. Tudo nele se pauta no real e mais real tenta ser. Por isso, certamente, será um marco não só na história do cinema brasileiro, mas mundial. Envergonha pensar que foi dirigido pelo mesmo homem que concebeu Ensaio Sobre a Cegueira, que tem todos os defeitos que poderiam ter estragado seu melhor trabalho: péssimo elenco, péssimo uso da narração em primeira pessoa, fotografia horrorosa, dificuldade em melindrar com o conteúdo mais agressivo do roteiro, dentre outros. Fernando Meirelles declarou, certa vez, que gostaria de fazer pelo cinema nacional o que Pedro Almodóvar fez pelo espanhol. Talvez ele deva repensar nessa proposta.

Trailer:


# Antes que o Diabo Saiba Você Está Morto (Before the Devil Knows You're Dead)

Último filme de Sidney Lumet enquanto diretor, Antes que o Diabo Saiba tem o principal traço da obra do mestre: personagens motivados por seus desejos egoístas a envolver-se numa trama dos quais invariavelmente vão sair feridos. Andy Henson é um fraudulento executivo cujo casamento escorre-lhe pelas mãos enquanto faz uso de drogas. Hank Henson é um divorciado pressionado pela ex-mulher para que pague pensão. Quebrados e desejosos de uma saída fácil, o dois iniciam sua derrocada quando Andy convence Hank a assaltar a joalheria dos pais. O plano que parecia infalível mostra-se desastroso diante má sorte e falta de preparo dos irmãos. E esse erro irá expor toda uma dinâmica familiar desajustada e personalidades frágeis. Tecnicamente, o filme é excelente, com destaque para sua ótima edição. Além disso, Lumet mais uma vez acertou no elenco (Albert Finney brilha como o patriarca Charles Henson) e presenteou o público com uma ótima direção. Contudo, infelizmente há aqui uma tentativa de justificar os atos dos personagens descambando no velho lugar comum do cinema americano: a redenção. Lumet se despediu de uma bela forma, mas é uma pena que não tenha sido com chave de ouro.

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#Rede de Intrigas (Network)

Outro filme de Sidney Lumet, Rede de Intrigas, justifica o status dele de grande diretor. Numa emissora de TV, um apresentador - Howard Beale - prestes a ser demitido devido a queda de audiência de seu programa declara ao vivo que irá suicidar-se em frente as câmeras no dia seguinte. Inesperadamente, sua declaração faz subir os níveis de audiência da trasmissão diária. De olho nos lucros, a ambiciosa Diana Christensen convence o não mais altruísta Frank Hackett a manter o "profeta" na programação. Mais do que isso: dar-lhe um novo programa e montar toda uma grade de shows sensacionalistas ao seu redor. O que ambos não percebem é que Beale está realmente doente e delirando. No meio de toda essa loucura, o mais sensato é o veterano Max Schumacher que a despeito de seus princípios envolve-se com Diane em um romance metáfora da relação conflituosa entre as gerações de produtores de TV. Embora o filme tenha ficado famoso pela sua crítica veemente à televisão, vale muito a pena assisti-lo pelos seus méritos artísticos. Não se utiliza aqui o artifício barato de avolumar a música para aprofundar as emoções das cenas, como em Crash, por exemplo. Muito menos soam artificiais as longas falas das personagens que poderiam facilmente ganhar tom didático como em diversos longas. William Holden, Peter Finch, Robert Duvall e Faye Dunaway (DIVINA) estão excepcionais nos papéis principais. Por sua vez, Beatrice Straight e Ned Beatty dominam a câmera em suas pequenas cenas.

Faye Dunaway e William Holden:


#Em Nome de Deus (The Magdalene Sisters)

Criados para abrigar prostitutas em busca de reabilitação social, os Asilos de Madalena foram ganhando uma finalidade macabra ao longo dos anos. Para lá eram enviadas jovens que cometiam os supostos pecados de fazerem sexo, ou darem a luz antes do casamento e até mesmo serem assanhadas. Uma vez lá dentro lhes era quase impossível retornar à liberdade sendo vistas como meretrizes por desconhecidos e expulsas do seio familiar. Sendo assim, passavam os restos de seus dias condenadas a uma estafante rotina de trabalho e abusos. Escrito e dirido por Peter Mullen, o filme segue a trajetória de quatro internas de um desses asilos irlandeses. Cada uma delas foi internada por um motivo diferente, porém todas são vítimas da desautorização de seu próprio eu enquanto sujeito que deseja, pensa e sente. Surpreendetemente para um filme de arte europeu, as personagens não são apenas uma ilustração para uma reflexão mais profunda. Embora haja um implícito discurso feminista, ao cabo, Em Nome de Deus é apenas as histórias das protagonistas. As atrizes são muito boas e infelizmente parecem não ter tido muita sorte depois desse projeto. Anne-Marie Duff rouba o filme em sua segunda metade, Dorothy Duffy tem as cenas mais comoventes, Nora-Jane Noone tem uma incrível presença e parece capturar a câmera para si. O grande destaque é de Eileen Walsh no papel da mentalmente desajustada, Crispine. Tecnicamente falando, a melhor cena fica por conta de um inesperado ângulo explorado por Mullen no momento de maior sofrimento da personagem de Noone. Existe uma cena parecida em O Escafrando e a Borboleta, e não seria estranho pensar num empréstimo.

"A" cena [SPOILER]:


E se eu tivesse que ranqueá-los:

1º Cidade de Deus
2º Rede de Intrigas
3º Em Nome de Deus
4º Antes que o Diabo Saiba Você Está Morto
5º Mulan

quinta-feira, abril 23, 2009

62º Festival de Cannes


Criado para contornar a censura facista sobre o Festival de Veneza, o Festival de Cannes foi aos poucos roubando deste o papel de mais importante evento do cinema mundial. Realizado nas margens do litoral francês, o festival já assistiu a glória de nomes como Jacques-Yves Cousteau, Glauber Rocha, e Federico Fellini.

A programação constra com quatro grandes mostras - Filmes em Competição, Filmes Fora de Competição, Midnight Screenings, Special Screenings e Uncertain Regard - além de um filme de abertura e outro de fechamento.

Glorioso pelo seu caráter vanguardista, pela primeira vez o festival será aberto por uma animação. Up, da Pixar, conta a história de um senhor que aos 78 anos decide fazer uma viagem de balão pela América do Sul. Segundo um boato corrente na internet o argumento inspira-se no caso do padre brasileiro que se morreu em alto mar ao tentar aventura parecida.

Mas o Brasil será também lembrado pela presença do filme À Deriva de Heitor Dhalia (O Cheiro do Ralo). A nova obra de Dhalia parece ter um caráter bem diferente da anterior, sendo uma narrativa delicada sobre a passagem para a vida adulta em meio a uma crise familiar. A Romênia confirma a boa fase de sua produção cinematográfica com dois filmes nessa mostra. Outros 16 filmes completam essa sessão.

Os Special e Midnight Screenings configuram em lineups sem grandes nomes. O documentário L'épine Dans Le Coeur de Michel Gondry (Brilho Eterno de uma Mente Sem Lembranças) se destaca entre os primeiros. Assim como o terror Drag Me to Hell do diretor Sam Raimi (O Homem-Aranha) entre os segundos.

The Imaginarium of Doctor Parnassus, último trabalho de Heath Ledger será exibido fora de competição. Junta-se a este o francês L'Armée du crime que trata sobre anti-semitismo e tortura, e o épico Agora de Alejandro Amenábar. Esse e Parnassus são filmes bastante esperados devido ao elenco estelar e o opulência dos projetos.

A mostra competitiva, por sua vez, está recheada de ex-vencedores e diretores badalados. Jane Campion retorna, 16 anos anos após O Piano, com Brigth Star. Seu novo longa retrata o romance entre o poeta John Keats e Fanny Brawne. Pedro Almodóvar também marca presença com Los Abrazos Rotos sua mais nova parceria com Penólope Cruz.

Outros destaques são Antichrist, um retrato sobre o luto parental de Lars Von Trier (Ondas do Destino); Inglorious Bastards de Quentin Tarantino; o retorno de Alain Resnais com Les Herbes Folles; Das weiße Band do controverso Michael Heneke; Bakjwi de Park Chan-wook (Oldboy); Taking Woodstock de Ang Lee; e a estréia de Isabel Coixet com Map of the Sounds of Tokyo.

Por fim, Coco Chanel & Igor Stravinsky fecha o festival. Espera-se que os releases de Cannes desse ano obtenham grande êxito artístico devido à qualidade dos filmes selecionados. Particularmente, aguardo ansioso pelos novos trabalhos de Campion, Almodóvar (ou seria o de Penélope Cruz?), Von Trier, Tarantino e Lee. Acredito também que Coixet deva se redimir depois do vergonhoso Fatal, mas acho que como os anteriores seu novo longa será apenas uma história açucarada feita com a intenção de comover.

O Festival ocorrerá entre os dias 13 e 24 de Maio.

domingo, abril 12, 2009

Feliz Páscoa 2



Para minha surpresa a Semana Santa, foi bastante produtiva. Acho que a casa vazia fez bem para minha consciência vadia e ela resolveu trabalhar. E desde que a oportunidade - de ter visto cinco filmes desde a última postagem - e a vontade de escrever chegaram juntas, mais uma vez, aqui estou eu.

# Simplesmente Feliz (Happy-Go-Lucky)

Embora seus títulos (original e nacional) sugiram que esse seja um filme sobre alegria, acredito que ele vá mais longe. Poppy, a protagonista, é uma professora de primário cuja principal característica é estar sempre em estado de graça. E devido ao seu curioso ânimo é sempre positiva, otimista e receptiva com as pessoas. Não importa se elas lhe sejam conhecidas, próximas, ou mesmo recíprocas, Poppy sempre as trata com entusiasmo, piadas e sorrisos. Em seu filme anterior - Vera Drake- Mike Leigh explorou uma personagem para qual o ofício ingrato de fazer abortos tinha um simbolismo político diante de uma sociedade essencialmente machista. Aqui, ele diverte o espectador com uma personagem cujo símbolo é sua felicidade a qualquer custo em tempos de egoísmo e isolamento do indivíduo. E como a primeira, inevitavelmente, deu de cara com o sistema judicial, essa aqui, inevitavelmente, encontrará alguém para quem seus modos não trarão alento. Sally Hawkins brilha no papel principal e Eddie Marsan está excepcional no papel de sua antítese (ao ponto de roubar dela o clímax da história). A atriz ganhou diversos prêmios entre os críticos de cinema dos EUA, mas infelizmente não foi indicada ao Oscar. É realmente uma pena, pois esta poderia ter sido uma boa plataforma de projeção de seu excelente trabalho. Além disso, seria um reconhecimento mais do que merecido tendo em vista sua superioridade diante de todas as concorrentes ao prêmio e sua eventual vencedora. Sendo assim,Simplesmente Feliz sem dúvidas está entre os melhores filmes concebidos no ano passado.

Trailer:



# Um Dia de Cão (Dog Day Afternoon)

Sonny Wortzik é um cara com um plano: assaltar um banco de forma rápida e discreta. Devido a uma mistura de inexperiência e ingenuidade, contudo, o que ele vai conseguir é armar um espetáculo que será acompanhado durante horas pela polícia, pela televisão e pelo povo nas ruas. Considerado um exemplo-chave do melhor cinema americano dos anos 70, o filme reúne os elementos exatos para garantir tal posto. O conteúdo da narrativa e seu substrato político, além do trabalho de Sidnay Lumet por trás da câmera são uma amostra da típica aproximação do cinema hollywood com a crueza, e marginalidade da vida de grupos específicos do universo urbano. O elenco é impecável. Encabeçado por Al Pacino (a quem a câmera segue quase em tempo integral) apoiado por um grupo de coadjuvantes que exploram ao máximo seu reduzido screentime (John Cazale, Chris Sarandon, Penelope Allen, Susan Peretz e Judith Malina, em especial) todos os atores dão um banho de talento. No mais, Um Dia de Cão é narrativa sobre a qual não se deve revelar nenhum detalhe. O gosto de assisti-la é a surpresa de descobrir as motivações de Sonny e como essas vão influenciar na condução da negociação com a polícia, seu desespero e os populares curiosos.

Cena do testamento (SPOILERZÃO):



# XXY

Filmado em cores frias, a produção argentina trata de temas delicados: o hermafroditismo sexual e a sexualidade na adolescência. Alex é cromossomialmente um garoto, porém nasceu com caracteres sexuais de ambos os sexos. Como o sexo feminino é embriologicamente anterior ao masculino, desde criança ela toma medicamentos que visam a sua "normalização", isto é, conversão em um corpo unicamente feminino. Mas nem tudo é tão simples assim, pois, Alex ainda não sabe o que mudar em seu corpo, ou mesmo se que mudar. Seu pai prefere que ela decida, sua mãe compreende o problema de forma mais ansiosa e é sua pressa que dá início a uma série de acontecimentos que orientarão Alex em busca de suas próprias respostas. O filme tem o mérito de explorar um tema inovador e curioso, mas talvez seja confuso para quem não está familiarizado com ele. Também é recheado de cenas fortes que ilustram a conflituosa relação Alex/gênero/sexo. Em termos artísticos, porém, configura apenas uma ótima película para ser utilizada em contextos pedagógicos.

Trailer:



# Batismo de Sangue

Existe no período que compreende o Regime Militar brasileiro uma grande fonte de material para todo tipo de arte que se queira produzir. Acredito que é aí que reside o berço do Brasil moderno e a justificação da forma como este produz arte. Seja porque foi a partir daí que começamos a fazer muita besteira e pouca substância, ou seja, porque são dessa época os maiores referenciais do que foi feito em teatro e música para muitos de nós. Entre todas as histórias macabras do período, talvez das interessantes para uma narrativa cinematográfica, seja a do assassinato do líder da guerrilha urbana Carlos Marighela, sua conexão com a articulação do clero de esquerda e a prisão e tortura deste. É justamente esse episódio que é esquadrinhado pelo filme do diretor Helvécio Ratton. Aquilo que poderia dar uma bela obra, todavia, esbarra nos problemas comuns das produções nacionais: edição pouco elaborada, incapacidade de melindrar com crueza dos fatos, dificuldade em fazer thrillers, e trilha sonora ruim. Triste pensar que até mesmo o episódio do falecido Linha Direta Justiça sobre o tema, tenha sido melhor concebido e desenvolvido.

Cena de um documentário sobre o Frei Tito:



# A Outra (The Other Boleyn Girl)

A história da família real britânica está cheia de acontecimentos que por sua grandeza, mistério e importância fazem do caso Charles/Lady Di/Camilla Parker Bows, tão grandes quanto uma briga qualquer estampada num tablóide. Especializado em escrever roteiros baseados em personalidades históricas, Peter Morgan, escreveu um roteiro sobre como a família Bolena se aproximou do rei Henry VIII. Como desse encontro resultou a subida da primogênita Ana ao trono, o surgimento do Angliganismo e o nascimento da lendária Elizabeth I é uma abstração literária a partir dos poucos fatos que se tem da época. Apesar de o filme ter sido malhado pela crítica e configurar também apenas uma ótima película para ser utilizada em contextos pedagógicos, ele tem seus pequenos méritos. O primeiro é a bela reconstituição visual da época através de um lindo figuro e excelente direção de arte. O segundo é o elenco encabeçado por Natalie Portman e Scarlett Johansson nos papéis principais e com as veteranas Kristin Scott Thomas e Ana Torrent excelentes em seus pequenos papéis. Para um filme que contém um implícito discurso feminista, nada mais justo do que presentear o público com ótimas atrizes.

Money scene de Ana Torrent (Catarina de Aragão):



E se eu tivesse que enlecá-los:

1º Simplesmente Feliz
2º Um Dia de Cão
3º A Outra
4º Batismo de Sangue
5º XXY

sexta-feira, abril 10, 2009

Feliz Páscoa



Depois de assistir diversos filmes, finalmente tive vontade de escrever aqui outra vez. É muito legal ter tempo e vontade de fazer as coisas. Então, por enquanto, ao menos, estou adorando a Semana Santa. Bem, como comecei assim, acho que vou continuar a fazer Top 5 aleatórios dos últimos filmes que eu vi.

# A Vida num Só Dia (Miss Pettigrew Lives for a Day)

Eu costumo dizer que se um filme tem um bom elenco, já possui uma larga chance de ser bom. Infelizmente, tal máxima não se aplica a esse aqui. Francis McDormand encarna Mrs. Pettigrew, uma governanta inglesa que perde o emprego às vésperas da Segunda Guerra Mundial. Em parte por esperteza, em parte por desespero, Mrs. Pettigrew acaba na casa da dondoca Delysia LaFosse (a "encantada" Amy Adams). E embora as duas levem vidas bem diferentes, vão descobrir que possuem algo em comum: o desejo de não cair na rua da amargura e encontrar o amor verdadeiro. Porém, enquanto a mais velha está sozinha, a mais jovem tem três namorados. O primeiro lhe deu um teto sob o qual morar e um emprego como cantora, o segundo pode torná-la uma estrela de teatro, e o terceiro é apenas um bom pianista. Toda a história se desenrola a partir desse emaranhado amoroso no qual Delysia se meteu e do qual emergirá um parceiro inesperado para Mrs. Pettigrew. O saldo final, todavia, é uma narrativa previsível, e um tanto chata. Frances McDormand e Amy Adams são ótimas atrizes com excelente timing para comédia, mas seus talentos, dessa vez, ficaram menores que o roteiro.

Lee Pace e Amy Adams cantam "If I Didn't Care":




# Maratona do Amor (Run Fatboy Run)

O showbizz não tem facilitado a vida do elenco de Friends desde do fim do programa. Courtney Cox-Arquette, Matthew Perry, Lisa Kudrow e Matt LeBlanc fracassaram em seu retorno à TV. E Jennifer Aniston perdeu marido no divórcio mais comentado da ultima década. David Schwimmer, contudo, deu uma dentro ao dirigir essa simpática comédia romântica.
Maratona abre-se com seu anti-herói, Dennis Doyle, abandonando no altar sua noiva grávida. O que o público descobre depois é que além de um covarde Dennis é um cara bastante azarado, um pai amoroso e um homem cheio de remorso. Quando sua quase esposa encontra em sua antítese um novo noivo, o gordinho Doyle resolve desafiá-lo a correr numa maratona. Embora a narrativa não seja das mais originais ou inteligentes, é difícil resistir ao charme do ator Simon Pegg e a má sorte de Doyle. O resto do elenco também é afinado (com destaque para Dylan Morgan) e direção de Schwimmer simples, porém, precisa.

Simon Pegg e Dylan Morgan:



# Gran Torino


A carreira de Clint Eastwood tem uma trajetória impressionante: de Dirty Harry a respeitável ator e diretor. Com a certeza de que fez por merecer todo o mérito, Eastwood tem se dedicado a dirigir filmes sobre a violência em todas as suas formas e conseqüências. Suas personagens são sempre fortes, melancolicas e acostumadas à solidão. Gran Torino atende a esses dois critérios. Walt Kowalski é um veterano da Guerra da Coréia, cujas convicções racistas, nacionalistas e em certo grau, antiquadas tem o afastado da família e do convívio social. Morando sozinho em um velho subúrbio, Mr. Kowalski vai encontrar sua redenção onde parecia mais impossível: uma família de imigrantes asiáticos que se muda para a casa ao lado. Como sempre, Clint Eastwood dá um banho no papel principal e acerta novamente no elenco e na direção. O filme, porém, não é lá dos melhores. Há aqui, uma vontade de criticar a violência, a guerra, e alguns valores ultrapassados. Eastwood já fez isso em filmes recentes, porém de forma mais velada e sutil. Falta a esse mais recente trabalho, um pouco de leveza e maior fluidez nas falas de suas personagens. Infelizmente, esse parece ser o último filme de Eastwood como ator. É uma pena que assim como não existem mais homens como Kowalski, não existam mais artistas como ele.

Jamie Callum canta 'Gran Torino', escrita por Clint Eastwood:



# Wall-E

Sem dúvidas um dos filmes mais controversos do ano, Wall-E foi amado por muitos e odiado igualmente. O romântico robozinho inspirado em Charles Chaplin é, de fato, uma figura cativante. E sua história tem como mérito seduzir a platéia usando quase inteiramente de linguagem não verbal. As primeiras grandes seqüências do filme se passam num futuro planeta Terra tomado pelo lixo e no qual o solitário Wall-E trabalha compactando a sujeira. Sozinho no meio da sucata, o robô aspira encontar compainha enquanto assiste Alô, Dolly! em seu iPod. Tudo muda, entretanto, com a chegada de Eva, que virá a ser o interesse amoroso do improvável herói. Recebido como uma obra prima para seus maiores entusiastas, o filme é mais uma marca do padrão de qualidade Pixar. E prova que ainda é possível conquistar platéias (até infantis) com simplicidade.

Peter Gabriel canta "Down to Earth", tema da película:




# O Lutador (The Wrestler)


Há poucos anos atrás, Menina de Ouro usou o boxe como metáfora da solidão e sua violência. Através desse esporte, encontram-se os caminhos de uma jovem mulher e um velho treinador cuja relação mimeticamente parental será um alívio para a angústia de ambos. Em O Lutador, porém, são as arenas que ratificam o isolamento de seu protagonista. Randy "The Ram" Robinson é um homem famoso pelas glórias do passado e cuja perspectiva de futuro parece-lhe aterradora. Proibido pelo seu médico de voltar aos ringues, abandonado pela filha e envolvido num complicado caso de amor, Randy, deixar escapar todas as chances que lhe aparecem. E não por má-fé. O que lhe falta é a capacidade de lidar com as lutas cotidianas, as quais não pode ensaiar, como faz antes de suas lutas. Seja pela ótima idéia de escalar Mickey Rourke (um homem cuja trajetória lembra bastante a de sua persona), seja por tornar meiga sua figura em meio a toda violência ensaiada, Darren Aronofsky merece o mérito de ter concebido uma linda obra.

Mikey Rourk (Randy) e Marisa Tomei (Pam):


E se eu tivesse que elencá-los:

1º O Lutador
2º Wall-E
3º Maratona do Amor
4º Gran Torion
5º A Vida num Só Dia